Conta-se que dois jovens morávios souberam que numa ilha
no leste da Índia havia três mil escravos pertencentes a um ateu
britânico. Sem permissão de irem para lá como missionários, eles
decidiram vender a si mesmos como escravos e usar o dinheiro para
pagarem as passagens para a ilha. No dia da partida, as suas famílias e
os seus amigos estavam reunidos no porto, sabendo que, após a sua
partida, jamais os veriam novamente. Indagados sobre a razão que os
levava a uma decisão tão extrema assim, eles permaneceram calados. No
entanto, quando o barco estava se afastando, os dois rapazes gritaram:
“Que através das nossas vidas o Cordeiro que foi imolado receba a
recompensa pelo Seu sacrifício!” (Fonte: site da Editora Ultimato; texto
de Enedina Sacramento)
por Luciano Subirá
Para mim, este relato é profundamente comovente e inspirador. Ao
mesmo tempo, no entanto, ele faz com que eu me sinta envergonhado. A
história diz que os morávios enviaram milhares de missionários a várias
partes do mundo. Eram pessoas que desistiam dos seus sonhos, que
renunciavam o privilégio de viverem com as suas famílias e tantas outras
coisas das quais a nossa geração se recusa a abrir mão! A chama
missionária precisa ser reacendida na Igreja do Senhor Jesus em nossos
dias! Estes morávios fizeram tanto para Deus, apesar de terem tão pouco.
Em contrapartida, nós temos feito tão pouco, apesar de termos muito!
Mas o que diferencia estes irmãos da nossa geração atual? Eu não
creio que eles nasceram de novo com algum tipo de “DNA espiritual” mais
avançado. Também não creio que o chamado divino tenha sido mais forte
para eles do que para outros, pois Deus não faz acepção de pessoas. Além
do fato de que os morávios oravam muito (eles chegaram a orar cem anos
ininterruptamente – que é a receita divina para que haja mais obreiros
para a Seara [Mt 9.38]), eu creio que estes irmãos morávios tinham uma
mentalidade diferente, uma mentalidade de tanto amor e de entrega que
eles se dispunham a viverem como escravos por amor a Cristo e à Sua
causa.
Enquanto eu refletia sobre este episódio dos dois jovens morávios e
as características deste povo (que marcou o seu tempo e a sua geração)
eu percebi o quanto que a atitude deles está ligada a um princípio
tremendo – de amor a Deus – revelado nas Escrituras: o princípio do
escravo por amor (ou do servo da orelha furada). Observemos o que diz a
Palavra de Deus:
“São estes os estatutos que
lhes proporás: Se comprares um escravo hebreu, seis anos servirá; mas,
ao sétimo, sairá forro, de graça. Se entrou solteiro, sozinho sairá; se
era homem casado, com ele sairá sua mulher. Se o seu senhor lhe der
mulher, e ela der à luz filhos e filhas, a mulher e seus filhos serão do
seu senhor, e ele sairá sozinho. Porém, se o escravo expressamente
disser: Eu amo meu senhor, minha mulher e meus filhos, não quero sair
forro. Então, o seu senhor o levará aos juízes, e o fará chegar à porta
ou à ombreira, e o seu senhor lhe furará a orelha com uma sovela; e ele o
servirá para sempre.” (Êxodo 21.1-6)
Confesso que este texto me deixou confuso por muito tempo. Ver a
escravidão presente na cultura dos povos antigos (tanto do Antigo como
do Novo Testamento) é uma coisa; ver Deus regulamentando as leis da
escravidão é outra bem diferente! Eu analisava este trecho bíblico e
ficava receoso de que a escravidão, que graças a Deus é algo que não
mais toleramos hoje, fosse algo respaldado pelo Senhor. Embora o
propósito desta lei fosse impedir que a escravidão fosse praticada sem
misericórdia, ainda assim a ideia de um homem servindo a outro era algo
que me incomodava.
Entretanto, descobri que muitas coisas com as quais o Senhor teve que
lidar com o Seu povo não eram necessariamente a Sua vontade, como é o
caso da poligamia – tolerada por muito tempo, mas depois proibida por
Deus. Creio que é assim que devemos olhar para a questão da lei do servo
da orelha furada.
Por que Deus estabeleceria uma lei como essa? Como isso deve falar ao
nosso coração? Uma vez que a Lei não tem a imagem exata das coisas e
sim a sombra de bens vindouros (Hb 10.1), devemos nos questionar: “Como
devemos nos relacionar com esses trechos do Antigo Testamento? Paulo
disse aos irmãos coríntios que o mandamento “não atarás a boca ao boi
que debulha” (1 Co 9.9,10) foi dado pelo Senhor por causa de nós, e não
por causa dos bois! Embora à primeira vista o assunto em questão pareça
ser a alimentação dos bois apenas, a projeção de Deus para os dias da
Nova Aliança, para os dias em que vivemos hoje, é outra: o sustento dos
obreiros! Assim também é com a lei do servo da orelha furada. O Pai
Celestial está indo muito além dos dias da Lei Mosaica e abordando algo
importante sobre o nosso relacionamento com Ele hoje.
Muitos não enxergam a verdade do senhorio de Jesus sobre as suas
vidas. E até mesmo nós, que a enxergamos, precisamos crescer no nível de
entendimento deste nosso relacionamento com o Senhor. Ao mesmo tempo em
que Ele é o nosso Pai Celestial e nós somos os Seus amados filhos e
herdeiros, Deus também é o Senhor das nossas vidas e nós somos os Seus
servos! Lembrando, é claro, que a palavra “servo” significa “escravo”!
Isto é exatamente o que somos como consequência da redenção de Deus em
nossas vidas.
ENTENDENDO A REDENÇÃO
A fim de podermos entender a visão do senhorio de Deus em nossas
vidas, bem como a nossa condição de servos (escravos) Seus, é preciso
que estabeleçamos antes um fundamento claro do que a Bíblia ensina sobre
“redenção”.
Para muitos cristãos, a palavra “redenção” não significa nada mais do
que “perdão dos pecados” ou “salvação”. Mas o seu significado vai muito
além disso. A palavra “redenção” significa “resgate” ou “remissão”. Ela
significa “readquirir uma propriedade perdida”. Antes de Deus
estabelecer algumas verdades no Novo Testamento, Ele determinou que elas
fossem ilustradas no Antigo Testamento:
“Ora, visto que a lei tem
sombra dos bens vindouros, não a imagem real das coisas, jamais pode
tornar perfeitos os ofertantes, com os mesmos sacrifícios que, ano após
ano, perpetuamente, eles oferecem.” (Hebreus 10.1 – Tradução
Brasileira)
A sombra é diferente da imagem real que a projeta. Assim também, as
ordenanças da Antiga Aliança (práticas literais) tinham características
semelhantes às dos princípios que Deus revelaria nos dias da Nova
Aliança (práticas espirituais). A circuncisão deixou de ser literal e
passou a ser uma experiência no coração (Rm 2.28,29). A serpente que
Moisés levantou no deserto tornou-se uma figura da obra de Cristo na
Cruz (Jo 3.14). Assim também, outros detalhes da Lei que envolviam
comida, bebida e dias de festa, começaram a ser vistos não como
ordenanças literais, pelas quais quem não as praticasse poderia ser
julgado, mas como uma revelação de princípios espirituais, cabíveis na
Nova Aliança:
“Ninguém, portanto, vos julgue
pelo comer, nem pelo beber, nem a respeito de um dia de festa, ou de lua
nova ou de sábado, as quais coisas são sombras das vindouras, mas o
corpo é de Cristo.” (Colossenses 2.16,17)
É desta forma que precisamos olhar para a lei da redenção no Antigo
Testamento. Durante anos Deus fez com que o povo praticasse uma
encenação do que Ele mesmo um dia faria conosco. Foi assim com o
sacrifício do cordeiro que os israelitas repetiam anualmente em várias
cerimônias; por fim, vemos João Batista apontando para Jesus e dizendo:
“Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” (Jo 1.29). Paulo
se referiu a Jesus como o Cordeiro Pascal (1 Co 5.7). Vemos nestas
passagens que as práticas repetidas por centenas e centenas de anos
tinham por objetivo fazer com que eles entendessem uma figura que
somente seria revelada posteriormente.
Com a Redenção não foi diferente.
O Livro de Rute nos mostra Boaz resgatando (ou redimindo) as
propriedades de Noemi. Ele estava readquirindo uma posse perdida.
Toda dívida tinha que ser paga.
Se um indivíduo não tivesse recursos
para honrar os seus compromissos, ele deveria dar os seus bens em
pagamento. Se estes não fossem suficientes, ele também deveria entregar
as suas terras. E, se elas ainda não bastassem para a quitação da
dívida, o próprio indivíduo (e às vezes até a sua família) deveria ser
dado como pagamento. Isto faria dele um escravo.
Lemos em 2 Reis 4 que
uma mulher viúva, que fora casada com um dos filhos dos profetas,
perderia os seus filhos, pois seriam levados como escravos se ela não
pagasse a sua dívida. E, quando isto acontecia com alguém, só havia duas
formas de esta pessoa sair da condição de escravidão: ou alguém pagava a
sua dívida (um redentor) ou ela esperava nesta condição até que
chegasse o Ano do Jubileu (que se repetia a cada cinquenta anos). Veja o
que a Lei Mosaica dizia sobre isto:
“Se teu irmão empobrecer e
vender alguma parte das suas possessões, então virá o seu resgatador,
seu parente, e resgatará o que seu irmão vendeu. Se alguém não tiver
resgatador, porém vier a tornar-se próspero e achar o bastante com que a
remir, então contará os anos desde a sua venda, e o que ficar
restituirá ao homem a quem vendeu, e tornará à sua possessão. Mas, se as
suas posses não lhe permitirem reavê-la, então a que for vendida ficará
na mão do comprador até ao Ano do Jubileu; porém, no Ano do Jubileu,
sairá do poder deste, e aquele tornará à sua possessão.” (Levítico
25.25-28)
A redenção era o pagamento da dívida feito por um parente próximo.
Por meio do pagamento ele comprava de volta o que se perdera. Então a
pessoa que fora escravizada deixava de pertencer a quem antes ela devia e
a quem servia.
Por exemplo: se eu me endividasse a ponto de perder todas as minhas
posses e ainda ser levado como escravo, e, se o meu irmão me resgatasse,
eu não deixaria de ser escravo! Eu apenas mudaria de amo! Eu agora
passaria a ser escravo do meu irmão, porque ele me comprou! Qual é então
o proveito disso? De que adianta ficarmos livres de um para nos
tornarmos escravos de outro? A diferença era que o novo dono era um
parente que pagou essa dívida por amor (Um escravo normalmente não valia
tanto.), e, justamente por causa do seu amor, ele trataria o escravo
com brandura, com misericórdia.
O QUE CRISTO FEZ POR NÓS
Foi exatamente isto que Jesus fez por nós. Cristo nos comprou para Deus através da Sua morte na Cruz:
“… porque foste morto e com teu
sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e
nação, e para o nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes; e
reinarão sobre a terra.” (Apocalipse 5.9b,10)
O homem tornou-se um escravo de Satanás quando se rendeu ao pecado no
Jardim do Éden. A Bíblia declara que aquele que é vencido em algo
torna-se escravo de quem o vence (2 Pe 2.19), e foi exatamente isto que
aconteceu com o primeiro casal. Eles foram separados da glória de Deus.
Eles perderam a filiação divina. Adão foi chamado “filho de Deus” (Lc
3.38), mas esta condição não foi mantida. Quando Jesus veio ao mundo,
Ele foi chamado de “o Filho Único de Deus” (Jo 3.16), mas Ele veio mudar
esta condição e passou a ser o “Primogênito entre muitos irmãos” (Rm
8.29). O Diabo se assenhoreou do homem a da Terra, que havia sido dada
ao homem (Sl 115.16), e ele afirmou isto para Jesus na tentação do
deserto (Lc 4.6). Mas Jesus veio pagar a nossa dívida do pecado, e, ao
fazê-lo, garantiu a nossa libertação das mãos de Satanás:
“Ele nos resgatou do poder das
trevas e nos trasladou para o reino do seu Filho muito amado, no qual
temos a nossa redenção, a remissão dos nossos pecados.” (Colossenses
1.13,14 – TB)
Observe o termo “resgatou”, que aparece quando o apóstolo está
falando de sermos tirados do Reino das Trevas e de sermos levados para o
Reino do Filho de Deus. Em seguida ele afirma o seguinte: “no qual
temos a nossa “redenção”! A Redenção foi o ato de compra, do pagamento
da dívida do pecado:
“Tendo cancelado o escrito de
dívida que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era
contrário, removeu-o inteiramente, cravando-o na cruz; e tendo despojado
os principados e potestades, os exibiu abertamente, triunfando deles na
mesma cruz.” (Colossenses 2.14,15 – Tradução Brasileira)
O Texto Sagrado revela que Jesus despojou os príncipes malignos.
Segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, “despojar” significa
“privar da posse; espoliar, desapossar”. Isto faz com que questionemos o
quê, exatamente, Jesus tirou destes principados malignos. O que eles
possuíam que pudesse interessá-Lo? Nada, a não ser o senhorio sobre as
nossas vidas! O despojo somos nós, que fomos comprados por Ele para Deus
e a partir de então passamos a ser propriedade de Deus. É exatamente
assim que as Escrituras se referem a nós. Somos chamados de propriedade
de Deus:
“Vós, porém, sois raça eleita,
sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a
fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a
sua maravilhosa luz.” (1 Pedro 2.9)
Repetidas vezes encontraremos a ênfase de que Cristo nos comprou para Si. E o preço foi o Seu próprio sangue!
“Sabendo que não foi mediante
coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso
fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso
sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo.”
(1 Pedro 1.18,19)
Portanto, quando Jesus nos comprou, Ele nos livrou da escravidão do
Diabo, mas nos fez escravos de Deus! Coisa alguma que possuímos é, de
fato, nossa exclusivamente. Nem as nossas próprias vidas pertencem a nós
mesmos! Somos propriedade de Deus. Ele é o nosso Dono.
Consequentemente, tudo o que nos pertence na realidade pertence a Ele!
Referindo-se ao Espírito Santo em nós, Paulo O chamou de “o penhor da
nossa herança, para redenção da possessão de Deus” (Ef 1.14 – ARC).
Observe que o termo “redenção” aparece associado aos termos “herança” e
“possessão”, pois é disto que o Princípio de Redenção sempre trata: o
resgate da propriedade! O que aconteceu foi que passamos por uma troca
de “dono”. Agora pertencemos ao Senhor!
ESCRAVOS DE CRISTO
Vamos observar mais uma vez o texto que fala do escravo por amor:
“São estes os estatutos que
lhes proporás: Se comprares um escravo hebreu, seis anos servirá; mas,
ao sétimo, sairá forro, de graça. Se entrou solteiro, sozinho sairá; se
era homem casado, com ele sairá sua mulher. Se o seu senhor lhe der
mulher, e ela der à luz filhos e filhas, a mulher e seus filhos serão do
seu senhor, e ele sairá sozinho. Porém, se o escravo expressamente
disser: Eu amo meu senhor, minha mulher e meus filhos, não quero sair
forro. Então, o seu senhor o levará aos juízes, e o fará chegar à porta
ou à ombreira, e o seu senhor lhe furará a orelha com uma sovela; e ele o
servirá para sempre.” (Êxodo 21.1-6)
A partir do entendimento de redenção fica mais fácil entendermos a
nossa posição de servos, de escravos do Senhor. Contudo, textos como
este nos ajudam a entendermos melhor estas verdades espirituais. O servo
da orelha furada era conhecido na sociedade dos seus dias como alguém
que era escravo por decisão própria. Onde quer que ele fosse, aquela
orelha furada atrairia a atenção dos outros! No momento em que eu estou
escrevendo este capítulo, eu estou na cidade de Arusha, na Tanzânia,
numa base de missionários que trabalham entre o povo massai.
Nas
reuniões que temos feito aqui vemos muitos homens de orelha furada,
fruto de um alargador que já não usam mais em suas orelhas. Eu diria que
é praticamente impossível não reparar no furo que há em suas orelhas! E
isto me fez pensar no servo que, por amor, furava a sua orelha numa
atitude de entrega permanente. Em qualquer lugar em que ele chegasse, as
pessoas saberiam imediatamente que ele era um escravo que decidiu ser
escravo quando não tinha a obrigação de ser escravo. Eu acho tremendo o
paralelo espiritual que encontramos nesta história!
A verdade é que, ainda que por direito de compra (pela Redenção) o
Senhor seja o nosso proprietário, Ele não impõe o Seu senhorio sobre as
nossas vidas. Todos fomos libertos por Cristo da escravidão (Gl 4.7),
mas podemos assumir voluntariamente esta posição por amor (E de fato é
isto que Deus espera de nós!).
Quase todas as vezes que a palavra
“escravo” (ou “servo”, seu sinônimo) aparece no Novo Testamento é a
tradução da palavra grega “doulos”, que significa “escravo, servo, homem
de condição servil, atendente”. Somos chamados pelas Sagradas
Escrituras de “escravos de Cristo”:
“Porque o que foi chamado no
Senhor, sendo escravo, é liberto do Senhor; semelhantemente, o que foi
chamado, sendo livre, é escravo de Cristo.” (1 Coríntios 7.22)
Escravos de Cristo! É o que somos! Todas as vezes que os apóstolos se
chamavam de “servos do Senhor” (bem como a outros) é este o conceito
que eles estavam comunicando.
Vamos pensar um pouco a respeito do servo da orelha furada. Durante
seis anos ele serviu a seu senhor, sabendo que no sétimo ano estaria
livre.
Eu fico pensando que eu, nas mesmas condições, já estaria
contando os dias para celebrar a minha liberdade com uma grande festa! É
o tipo de pensamento mais natural que podemos ter. O que é incomum é a
ideia de desejarmos ser escravos sem que isto seja obrigado.
Que
conceito é este, abordado por Deus, de nos tornarmos escravos por amor?
Eu creio que isto é uma projeção simbólica do nosso relacionamento
com Deus. A Palavra de Deus declara: “Tudo quanto foi escrito, para
nosso ensino foi escrito” (Rm 15.4). O Senhor Jesus conquistou o direito
legal de ser o nosso Dono, Amo e Senhor. Contudo, Ele prefere não usar
deste direito como um conquistador de nossas vidas.
Cristo prefere que,
quando a liberdade nos é oferecida, nós escolhamos servi-Lo. O servo da
orelha furada não permaneceria com o seu senhor por obrigação, e sim por
amor, pois, diferentemente de Satanás, que oprime os seus escravos,
Deus ama e respeita profundamente os que O servem!
A única razão para alguém permanecer escravo depois dos seis anos de
servidão seria fazer isto por amor.
O texto bíblico diz: “Porém, se o
escravo expressamente disser: Eu amo meu senhor, minha mulher e meus
filhos, não quero sair forro.” Note que ainda que o fato de ele ter
família (mulher e filhos, que não poderiam acompanhar o servo ao ser
liberto) seja mencionado, a expressão “eu amo meu senhor” é o que vinha
em primeiro lugar. A decisão partia de um sentimento que, acima de tudo,
envolvia o senhor daquele servo.
Se aquele senhor oprimisse duramente ao seu escravo naqueles seis
anos, é lógico que ele não desejaria continuar a seu serviço quando
chegasse o tempo da sua liberdade. Mas vemos na Bíblia que alguns
senhores tratavam os seus servos com muito respeito e dignidade. Veja,
por exemplo, o caso de Abraão, o qual, antes de Isaque nascer, havia
feito o seu servo Eliézer o seu herdeiro. Até mesmo na hora de buscar
uma esposa para Isaque, Abraão fez com que o seu servo jurasse que não
traria uma mulher que não fosse da parentela do seu senhor. Se Abraão o
tratasse apenas como escravo, ele simplesmente teria dado uma ordem. Ao
pedir um juramento, o Pai da Fé o tratou de forma diferenciada!
O padrão de sermos escravos por amor se estende à Nova Aliança e é
encontrado no ensino dos apóstolos. Observe o que Paulo declarou sobre
isto:
“Mas o que para mim era lucro
passei a considerá-lo como perda por amor de Cristo; sim, na verdade,
tenho também como perda todas as coisas pela excelência do conhecimento
de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas
coisas, e as considero como refugo, para que possa ganhar a Cristo.”
(Filipenses 3.7,8)
Ele também nos mostrou que a nossa atitude de entrega a Deus também é baseada unicamente no amor:
“Como está escrito: Por amor de
ti somos entregues à morte o dia todo; fomos considerados como ovelhas
para o matadouro.” (Romanos 8.36)
Quando o senhor foi bondoso e generoso com o seu servo durante
aqueles seis anos, e o escravo “estava bem” neste relacionamento, então
era natural que ele quisesse permanecer como escravo. A decisão de ser
escravo para sempre tornava-se compreensível quando o servo sabia que o
seu padrão de vida como servo do seu senhor era muito superior ao que
ele tinha quando era livre.
“Mas se ele te disser: Não
sairei de junto de ti; porquanto te ama a ti e a tua casa, por estar bem
contigo; então tomarás uma sovela, e lhe furarás a orelha contra a
porta, e ele será teu servo para sempre; e também assim farás à tua
serva.” (Deuteronômio 15.16,17)
O texto diz que a decisão de ele permanecer escravo era devida ao
amor. Mas o que gera esta resposta de amor? O versículo acima usa a
expressão “por estar bem contigo”. Qualquer bondade que o servo
manifestasse para com o seu senhor não era mais do que obrigação. Por
outro lado, o senhor não tinha nenhuma obrigação de tratar bem o seu
servo, mas, quando assim o fazia, ele conquistava o coração do seu
escravo.
Semelhantemente, o que nos leva a amarmos ao Senhor Jesus? É o
entendimento do Seu amor por nós. Quando entendemos o quanto Ele nos
ama, somos constrangidos a uma resposta de amor:
“Pois o amor de Cristo nos
constrange, julgando nós isto: um morreu por todos; logo, todos
morreram. E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais
para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou.” (2
Coríntios 5.14,15)
Falarei mais sobre isso no Capítulo “Dívida de Gratidão”, mas cabe
aqui lembrarmo-nos de que “nós O amamos porque Ele nos amou primeiro” (1
Jo 4.19). O servo da orelha furada decidia pela escravidão vitalícia
como um ato de amor. E isto o levava a fazer duas coisas:
1. Renunciar a sua liberdade;
2. Viver para obedecer a seu senhor.
Vejamos como estes princípios estão relacionados com a caminhada cristã hoje:
RENUNCIANDO A SUA LIBERDADE
A primeira coisa que o escravo por amor fazia era renunciar a
liberdade a que tinha direito e decidir, por sua vontade própria,
permanecer na servidão.
A nossa experiência com Cristo inclui, além do perdão dos nossos
pecados e da nossa salvação eterna, o fato de abrirmos mão do controle
das nossas vidas e a nossa rendição ao senhorio d’Ele:
“Se, com a tua boca,
confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que Deus o
ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Porque com o coração se crê
para justiça e com a boca se confessa a respeito da salvação.” (Romanos
10.9,10)
O entendimento do senhorio de Cristo tem sido roubado da atual
geração de crentes. Pregamos que as pessoas precisam aceitar a Jesus
como seu Salvador. Mas o ensino bíblico vai muito além disso! Temos que
confessar a Jesus como nosso SENHOR! A consequência de nos rendermos ao
Seu senhorio é a salvação.
A Palavra de Deus diz que nós temos que
confessá-Lo como Senhor (Dono, Amo) das nossas vidas. Este é o
reconhecimento da Redenção: que Ele nos comprou e que somos propriedade
Sua. Somos Seus servos.
Caminharmos com Cristo significa desistirmos de sermos donos da nossa
própria vida e entregarmos o controle absoluto a Deus. Atualmente,
muitas pessoas estão tentando adaptar o Evangelho às suas vidas, mas
isto é impossível! As nossas vidas é que devem se ajustar ao Reino de
Deus e aos Seus princípios! Entrar no Reino de Deus é algo mais profundo
do que o que temos percebido. Envolve a entrega total, irrestrita, das
nossas vidas.
Para entendermos melhor esta profunda dimensão de entrega, eu
gostaria de fazer uma pergunta importante e analisar biblicamente a sua
resposta. Tanto a pergunta como a resposta envolvem verdades que
deveríamos entender melhor e pregar aos outros.
“Quanto custa o Reino de Deus?”
“Tudo o que você tem!”
Veja o que Jesus ensinou sobre isso:
“O reino dos céus é semelhante a
um tesouro oculto no campo, o qual certo homem, tendo-o achado,
escondeu. E, transbordante de alegria, vai, vende tudo o que tem e
compra aquele campo. O reino dos céus é também semelhante a um que
negocia e procura boas pérolas; e, tendo achado uma pérola de grande
valor, vende tudo o que possui e a compra.” (Mateus 13.44-46)
Observe as palavras: “O reino dos céus é semelhante a um tesouro
oculto no campo… vai, vende tudo o que tem e compra aquele campo.” Nós
sabemos que a salvação não pode ser comprada por ninguém. Na verdade,
foi Deus que, através da morte de Jesus Cristo na Cruz, nos comprou!
Mas, o fato de reconhecermos o ato divino de redenção, de resgate das
nossas vidas, significa reconhecermos o Seu direito de compra. E o
reconhecimento de que Ele agora é o Dono começa pela nossa desistência
de tentarmos ser donos de nós mesmos! O fato de abrirmos mão de tudo o
que somos e temos é o reconhecimento de que, agora, Jesus é o nosso Amo e
Senhor!
Servirmos a Cristo implica, necessariamente, em desistirmos de tudo o
que somos e temos para vivermos de forma intensa e devotada para Ele! É
isto o que o apóstolo Paulo declara:
“Mas o que, para mim, era
lucro, isto considerei perda por causa de Cristo. Sim, deveras considero
tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo
Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero
como refugo, para ganhar a Cristo.” (Filipenses 3.7,8)
Atente para esta frase: “por amor do qual perdi todas as coisas”. É
claro que o apóstolo não está reclamando pelo fato de que estas coisas
foram arrancadas dele. Ele está dizendo que perdeu tudo por amor; em
outras palavras, ele desistiu, abriu mão de tudo por causa de Jesus!
A consciência do senhorio de Cristo se encarregará de nos levar a
deixarmos de viver para nós mesmos e de fazer com que passemos a viver
para Ele:
“Porém em nada considero a vida
preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o
ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da
graça de Deus.” (Atos 20.24)
Não somos mais senhores de nós mesmos. Não estamos mais no controle
das nossas vidas. Precisamos aprender a viver para cumprirmos a vontade
de Deus, e não para os nossos próprios planos e desejos:
“Atendei, agora, vós que
dizeis: Hoje ou amanhã, iremos para a cidade tal, e lá passaremos um
ano, e negociaremos, e teremos lucros. Vós não sabeis o que sucederá
amanhã. Que é a vossa vida? Sois, apenas, como neblina que aparece por
instante e logo se dissipa. Em vez disso, devíeis dizer: Se o Senhor
quiser, não só viveremos, como também faremos isto ou aquilo.” (Tiago
4.13-15)
Ser escravo por amor significa renunciar a própria liberdade e viver para cumprir a vontade do nosso Senhor e Salvador!
MAIS QUE ADORAÇÃO, OBEDIÊNCIA!
Recordo-me que, em fevereiro de 2002 o Senhor me levou a liberar uma
palavra profética ao Pastor Cris Batiston, conhecido ministro de louvor e
adoração no Brasil, dizendo-lhe o seguinte: “O Senhor não o levantou
somente para ensinar o Seu povo a adorar, mas principalmente para
ensiná-lo a amar ao Senhor Jesus!”
Desde essa ocasião, esta frase me deixou muito pensativo, pois eu
sempre acreditei que a adoração fosse uma tremenda expressão do nosso
amor a Deus. No entanto, o fato é que nem sempre a adoração de alguém é
uma expressão de amor. Todo aquele que ama a Deus certamente O adorará,
mas nem todo aquele que adora a Deus necessariamente O ama ou expressa
amor a Ele por meio da adoração!
Muitos têm declarado, de forma equivocada, que a maior expressão de
amor que podemos dar a Deus é através da adoração, mas isso não é
verdade. Por mais preciosa e poderosa que a adoração possa ser, há algo
que Deus espera mais de nós do que a adoração: é a obediência!
Quando analisamos a figura bíblica do servo da orelha furada, vemos
que o seu ato de amor, além de levá-lo a renunciar a sua liberdade, o
introduzia numa condição de plena obediência ao seu senhor. Esta é uma
das características mais fortes que encontramos neste escravo por amor.
Um servo deve obediência ao seu senhor. O próprio Jesus declarou que Ele
esperava isso de nós (como algo lógico): “Por que me chamais Senhor,
Senhor, e não fazeis o que vos mando?” (Lc 6.46). Deus espera de nós
mais do que um culto de lábios! Ele quer a nossa obediência:
“Respondeu-lhes: Bem profetizou
Isaías a respeito de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo
honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. E em vão me
adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens. Negligenciando
o mandamento de Deus, guardais a tradição dos homens.” (Marcos 7.6,7)
Observe o que a Palavra de Deus nos revela sobre isto no Livro dos Salmos:
“Sacrifícios e ofertas não
quiseste; abriste os meus ouvidos; holocaustos e ofertas pelo pecado não
requeres. Então, eu disse: eis aqui estou, no rolo do livro está
escrito a meu respeito; agrada-me fazer a tua vontade, ó Deus meu;
dentro do meu coração, está a tua lei.” (Salmos 40.6-8)
Mais do que sacrifícios (que eram a maior expressão de adoração no
Antigo Testamento), Deus estava interessado em que alguém fizesse a Sua
vontade, guardando a Sua Lei – e isto fala de obediência.
Uma nota de rodapé da NVI (Nova Versão Internacional), referente a
Salmos 40.6, comenta que há uma outra possibilidade de tradução para “
abriste os meus ouvidos”. A Versão Corrigida de Almeida (ARC) traduziu desta maneira:
“as minhas orelhas furaste”
– expressão que, ao meu ver, é uma clara referência ao servo da orelha
furada, o escravo por amor que passava a viver para obedecer a seu
senhor.
Cabe muito bem citarmos aqui as palavras de Santo Agostinho: “Agrada
mais a Deus a imolação que fazemos da nossa vontade, sujeitando-a à
obediência, do que todos os outros sacrifícios que possamos Lhe
oferecer.” Eu dedicarei mais adiante um capítulo inteiro para falar da
obediência como expressão de amor a Deus. Aqui, no entanto, eu quero
apenas destacar a obediência como algo ainda mais elevado do que a
adoração.
Vimos que a Palavra de Deus revela, de forma clara, que Deus não quer
adoração sem obediência. Agora eu gostaria de mostrar que o Pai
Celestial não está apenas interessado em que a obediência acompanhe a
adoração. O anseio do Criador é mais forte pela obediência do que pela
adoração em si! Por isso as Escrituras declaram que obedecer é melhor do
que sacrificar:
“Porém Samuel disse: Tem,
porventura, o Senhor tanto prazer em holocaustos e sacrifícios quanto em
que se obedeça à sua palavra? Eis que o obedecer é melhor do que o
sacrificar, e o atender, melhor do que a gordura de carneiros. Porque a
rebelião é como o pecado de feitiçaria, e a obstinação é como a
idolatria e culto a ídolos do lar. Visto que rejeitaste a palavra do
Senhor, ele também te rejeitou a ti, para que não sejas rei.” (1 Samuel
15.22,23)
Mais do que adoração, Deus quer obediência!
Observe o protesto divino, através do profeta Jeremias, a uma geração
que preservava o ritual de adoração sem ter um coração de submissão ao
seu Senhor:
“Porque nada falei a vossos
pais, no dia em que os tirei da terra do Egito, nem lhes ordenei coisa
alguma acerca de holocaustos ou sacrifícios. Mas isto lhes ordenei,
dizendo: Dai ouvidos à minha voz, e eu serei o vosso Deus, e vós sereis o
meu povo; andai em todo o caminho que eu vos ordeno, para que vos vá
bem. Mas não deram ouvidos, nem atenderam, porém andaram nos seus
próprios conselhos e na dureza do seu coração maligno; andaram para trás
e não para diante. Desde o dia em que vossos pais saíram da terra do
Egito até hoje, enviei-vos todos os meus servos, os profetas, todos os
dias; começando de madrugada, eu os enviei. Mas não me destes ouvidos,
nem me atendestes; endurecestes a cerviz e fizestes pior do que vossos
pais. Dir-lhes-ás, pois, todas estas palavras, mas não te darão ouvidos;
chamá-los-ás, mas não te responderão.” (Jeremias 7.22-27)
No Monte Sinai, o que Deus pediu ao Seu povo foi obediência, e não
adoração! Lembro-me do dia em que eu enxerguei a verdade deste texto
bíblico. Eu nunca havia reparado nesta afirmação do profeta, até mesmo
depois de lê-la várias vezes. Precisei voltar na leitura de Êxodo e
“conferir” o que eu nunca percebera antes:
“Subiu Moisés a Deus, e do
monte o Senhor o chamou e lhe disse: Assim falarás à casa de Jacó e
anunciarás aos filhos de Israel: Tendes visto o que fiz aos egípcios,
como vos levei sobre asas de águia e vos cheguei a mim. Agora, pois, se
diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então
sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda a
terra é minha; vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa. São
estas as palavras que falarás aos filhos de Israel. Veio Moisés, chamou
os anciãos do povo e expôs diante deles todas estas palavras que o
Senhor lhe havia ordenado. Então, o povo respondeu a uma voz: Tudo o que
o Senhor falou faremos. E Moisés relatou ao Senhor as palavras do
povo.” (Êxodo 19.3-8)
O que Deus sempre quis foi a obediência como característica principal
de um povo exclusivamente Seu: “… se diligentemente ouvirdes a minha
voz e guardardes a minha aliança, então sereis a minha propriedade
peculiar dentre todos os povos.” Vimos no capítulo anterior que o maior
mandamento que nos foi dado é o de amarmos ao Senhor.
E agora eu gostaria de estabelecer um outro fundamento: ao
praticarmos o maior mandamento – que é o de amarmos a Deus de todo o
coração – a maior expressão deste amor que podemos oferecer é a entrega
das nossas vidas e uma vida de completa submissão e obediência! Estas
são as “marcas” de um escravo por amor: renunciar a sua liberdade e
viver para obedecer ao seu Senhor!
(Este é um novo capítulo a ser inserido
na segunda edição do livro “DE TODO O CORAÇÃO – Vivendo a Plenitude do
Amor ao Senhor”, de Luciano Subirá)